12/24/2006

Formação de Preços no Mercado Internacional de Mel

Em mercados emergentes é comum que as empresas levem algum tempo para avaliar corretamente sua força competitiva vis à vis os concorrentes locais e externos. No Brasil por exemplo, há quem acredite ser possível interferir na formação dos preços internacionais do mel que tem a China e a Argentina como maiores produtores e exportadores. No entanto, o país está aquém desta possibilidade haja vista a pequena escala de produção ainda vigente, cerca de 30 mil toneladas, das quais em 2006 apenas 15 mil devem ser exportadas. Devido ao embargo do produto brasileiro na União Européia desde março de 2006, os EUA vêm sendo o único destino para as exportações de mel brasileiro que representa menos de 10% da pauta global de importações do produto nesse país. Somente de Janeiro a Outubro de 2006, os EUA já haviam importado 103 mil toneladas de mel, sendo o Brasil responsável por 8 mil (8%). No mesmo período, a China exportou 28 mil toneladas (27%) e a Argentina 24 mil toneladas (23%). Mesmo países como Índia (10 mil toneladas) e Vietnam (12 mil toneladas) têm apresentado desempenhos no mercado norte-americano melhores do que o do Brasil nos últimos dois anos. Como pensar, nesse contexto, que podemos agir neste ou naquele sentido em relação aos preços ? Mesmo considerando o mercado europeu (basicamente Alemanha, Reino Unido e Espanha), a importância relativa do mel brasileiro é pequena, excetuando-se nichos específicos cujos mercados ainda são incipientes como o segmento de mel orgânico por exemplo.

Na verdade, os preços internacionais do mel são formados pela clássica dinâmica das forças de oferta e demanda, considerando-se um número pequeno de grandes compradores nos EUA, Alemanha, Reino Unido e Espanha que estabelecem seus target prices a cada semana ou mês. Não existe, como alguns crêem, uma conspiração internacional ou qualquer coordenação de ações entre os grandes compradores com o objetivo de manipular preços. Se fosse assim o mercado operaria num cenário de relativa estabilidade com preços flutuando em níveis adequados ao apetite dos grandes compradores. Ao contrário, a realidade é que o mercado internacional de mel é extremamente volátil e suscetível a choques externos geralmente de natureza regulatória ou física como ocorreu em 2006 : o embargo europeu ao mel brasileiro, a quebra da safra chinesa e a revisão da política de recolhimento dos impostos anti-dumping nos EUA.

Os grandes compradores sofrem a pressão competitiva em seus respectivos mercados - por exemplo a recente e anunciada redução de preços de varejo do mel na Alemanha pela rede Audi - e repassam essa pressão para seus fornecedores em todo o mundo. Esta pressão competitiva pode tanto reduzir os preços como aumentá-los como ocorreu de forma aguda em 2002 quando o mel chinês foi banido do mercado europeu.

Cada fornecedor, isoladamente, trabalha com uma perspectiva de mercado formada a partir de suas interações com outros agentes (clientes, fornecedores, brokers, concorrentes, especialistas, etc) e então define sua conduta e realiza (ou não) contratos para entrega futura aos preços desejados pelos compradores. É óbvio que em situações atípicas as forças podem se inverter em termos de preferência da decisão : quando o mercado operou em alta explosiva durante a crise chinesa, eram os vendedores que escolhiam para quem iriam vender seus méis, mas vale dizer que esta escolha baseava-se muito mais no histórico do relacionamento comercial com cada comprador do que em um diferencial de preço pois mesmo naquele cenário especulativo os preços convergiam para um mesmo nível nos EUA e na UE.

Vale notar que há nuances nas negociações que nem sempre são claramente entendidas mas que no fundo corroboram esta tese. Por exemplo, é sabido que o mercado europeu tem conseguido pagar um prêmio em relação aos concorrentes norte-americanos devido à persistente valorização do euro frente a dólar nos últimos anos. Ao mesmo tempo sabe-se que os europeus são muito exigentes em relação ao teor de HMF dos méis e que nos EUA tal especificação geralmente nem consta dos contratos. O maior risco de ter que aceitar descontos e multas contratuais devido à discrepância entre o teor de HMF contratado e o efetivamente recebido pelo comprador europeu, compensa o menor preço em dólar geralmente pago pelos compradores norte-americanos, fazendo com que o preço técnico do mel convirja para um mesmo nível entre os dois blocos. Vale lembrar que o teor de HMF é suscetível à temperatura ambiente e que mesmo tendo sido exportado um produto totalmente dentro das especificações contratuais ele pode subir durante o trânsito até o destino, o que levou alguns exportadores brasileiros à situação extrema de utilizarem contêineres refrigerados para o embarque de méis para a Alemanha em 2005 e 2006. Não é o caso do Brasil, mas em países aonde há presença de resíduos de antibióticos nos méis, prevalece o mesmo raciocínio pois as faixas de tolerância e abrangência de restrições são muito maiores na U.E do que nos EUA.

O mercado internacional de mel é portanto um sistema cujos participantes têm estratégias não cooperativas e cujo número de compradores é pequeno e o número de vendedores, grande. Pode-se estimar que apenas 20 empresas sejam responsáveis por quase 80% das compras de mel nos dois principais mercados (EUA e UE). Por isso podemos dizer que o mercado internacional de mel é na verdade um oligopsônio. A tendência é que, ao longo do tempo, o número de compradores se reduza através de fusões e incorporações e que o número de vendedores se amplie devido à profusão da atividade apícola como alternativa de geração de renda sustentável nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Há duas grandes chaves para um melhor entendimento do mecanismo de formação de preços do mel no mercado internacional : o pequeno número de formadores primários de preços e a defasagem temporal que existe entre a contratação dos embarques e a efetiva compra, processamento e entrega do produto.

Tanto nos EUA como na Europa a maior parte do mel comercializado a cada ano é direcionada para as grandes cadeias de supermercado. Como se sabe, em cada país 4 ou 5 grandes grupos de varejo representam 70% ou mais das vendas do mercado. Assim, na verdade tudo começa na mesa de compras de 4 ou 5 empresas que concorrem entre si. Esses poucos grupos varejistas compram dos envasadores (packers). Nos EUA por exemplo, há apenas cerca de 20 packers importantes que concorrem entre si mas que devem operar com margens e custos compatíveis com os preços desejados pelas poucas redes de varejo. Esses 20 packers compram mel dos apicultores e cooperativas americanas e também dos poucos importadores atuantes no mercado os quais devem operar com margens e custos compatíveis com os preços desejados pelos packers. Em poucos casos os packers importam diretamente de outros países. Além do varejo há também o mel consumido pela indústria de alimentos, bebidas, tabaco, cosméticos, fitoterápicos, etc. Mas também nesse caso o número de empresas com consumo importante de mel é concentrado em poucas megacorporações. Portanto seja no segmento de varejo seja no industrial o número de formadores primários de preços é pequeno tanto na Europa como nos EUA. Esses formadores primários de preço estabelecem suas políticas e contratos e assim o preço do produto é definido ao longo da cadeia. Como sabemos os preços do mel nos supermercados na Europa e nos EUA é relativamente estável em períodos de até 12 meses. O mesmo ocorre na indústria que contrata os volumes a serem empregados em seus processos produtivos com antecedência e preços geralmente pré-fixados por faixas máximas de variação. Portanto, num horizonte de tempo de, digamos, um ano, o preço do mel do segmento primário (varejo e indústria) é relativamente fixo. Por que então as cotações internacionais do mel são tão voláteis ao longo de um ano ? É a oferta mundial de mel que regulará o processo de altas e baixas das cotações. O consumo mundial de mel é pouco elástico ao preço, o que significa dizer que uma variação no preço do produto não acarreta uma variação proporcional no volume consumido. Por exemplo, uma família americana não dobrará o consumo de mel em um ano caso o preço caia 50%. Da mesma forma, a Nestlé ou a Sara Lee não dobrarão o uso de mel por causa da queda de 50% no preço do mel pois suas fórmulas são constantes para cada linha de produto (que não terão sua procura alterada pela queda do preço de um de seus ingredientes). Simplificando, os packers sabem a cada ano mais ou menos quanto de mel precisarão comprar e processar para entregar para a indústria e para o varejo numa determinada faixa de preços. É para cumprir os contratos com seus clientes que eles (e por conseqüência os importadores) atuarão no mercado e, conforme a disponibilidade de produto (oferta), os preços subirão ou cairão a cada instante do tempo. É o pequeno número de formadores primários de preços nos principais países compradores que explica o porque os preços do mel convergem para o mesmo nível num determinado instante de tempo.

Tanto os packers, como os outros elos da cadeia a partir deles convivem com um grande problema : os méis contratados no mercado primário muitas vezes ainda nem existe ! Ou seja há uma defasagem de tempo entre a contratação do mel e sua efetiva disponibilização para venda e entrega. Ora, todos sabemos que as safras de mel nos vários países produtores dependem de diversos fatores como condições climáticas, pragas e doenças nas colméias, número de apicultores, tecnologia empregada, etc. A cada ano tais variáveis mudam, bem como surgem outras até então desconhecidas. Não raro um exportador de mel tem que negociar um contrato para entrega em 3 ou 4 meses. Como saber se o custo será compatível com o preço de venda já definido ? Como saber se a taxa de câmbio utilizada para o cálculo do custo em dólar será válida para daqui a 3 ou 4 meses ? É impossível saber, e é justamente por isso que a atividade de exportação de mel requer uma gestão baseada na rentabilidade média e não na rentabilidade absoluta. É assim que os packers analisam seus resultados ano a ano : pela média. É possível que haja períodos em que todas as operações sejam lucrativas tanto para os packers como para os demais elos da cadeia, mas essa - infelizmente - não é a regra. Às vezes é necessário entregar uma mercadoria com prejuízo, simplesmente para cumprir um contrato. Esses prejuízos eventuais devem fazer parte do plano tático de qualquer empresa que faça parte dessa cadeia e advém do fato de não sabermos o custo em dólar do produto no futuro com antecedência. É por esta razão que a atividade de exportação de mel é, regra geral, incompatível com uma pequena escala de produção.

O mundo está globalizado e não faz sentido se prever ou estimar preços com base na expectativa de safra de mel em países isolados. O fato de se estimar uma super safra no Brasil por exemplo não terá impacto nas cotações se ao mesmo tempo houver uma quebra de safra na Argentina ou no Vietnam. É a oferta global que conta e é por esta razão que não temos, isoladamente, a capacidade de impactar a curva de preços do mel no mercado internacional.

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Elaborado por John Laurino, john@laurino-lopez.com.br
Dezembro de 2006.

1 Comments:

At 3:10 AM, Blogger Unknown said...

Bom Dia Caro Amigo!Eu li teu artigo sobre Mel,isto realmente me deixa satisfeito,eu estou em Mocambique-Africa temos capacidade de Colocar no mercado Internacional ate 5000 Toneladas deste Produto Anualmente e o Problema continua a ser o Mesmo Os Precos e o Mercado.
Saudacao
Joao Jamal

 

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