2/09/2011

Setor Apícola : Desafios Atuais para o Brasil.


Desde o começo das exportações de mel brasileiro em 2001 temos conquistado o respeito dos principais compradores internacionais que hoje já projetam o Brasil como um player relevante no mercado, principalmente no segmento de produto certificado (orgânico e social). Apesar da ainda pequena escala das exportações brasileiras de mel (apenas 18 mil toneladas em 2010)já somos os maiores fornecedores de mel orgânico do planeta (acredito que 40% das exportações em 2010 tenham sido de mel certificado) e, tendo-se em vista o imenso potencial de crescimento da produção, o Brasil figura como país importante na definição da dinâmica comercial e planos estratégicos dos grandes compradores.

Em nosso favor temos a natureza : abelhas resistentes à doenças (e portanto pouco ou nenhum uso de antibióticos nas colméias), biodiversidade (dezenas de tipos de méis diferentes), produção contínua durante o ano todo (safras alternadas no Nordeste e no Sul/Sudeste) e isolamento geográfico dos pastos apícolas (o que torna a maioria do mel brasileiro elegível para a certificação orgânica). Adicionalmente, contamos com uma população de apicultores relativamente jovens e motivados, em geral receptivos à novas tecnologias e treinamentos. Em virtude do baixo investimento inicial necessário a apicultura tornou-se uma via rápida de geração de renda em regiões menos desenvolvidas como o semi-árido nordestino por exemplo. Há apoio oficial para a atividade apícola que é politicamente bem vista e geradora de prestígio local. Finalmente contamos com extensa fonte de conhecimento no âmbito acadêmico e pesquisas de campo em curso nas principais universidades e centros de técnica rural.


Estaríamos nós então voando em "céu de brigadeiro" ?  A despeito das vantagens e condições favoráveis citadas acima, há alguns desafios os quais o setor não poderá se esquivar de enfrentar :


1) Burocracia : existe a perspectiva de criação de um departamento específico para a apicultura na estrutura do Ministério da Agricultura. É sabido que os inspetores do MAPA atualmente responsáveis pela fiscalização do setor apícola carecem de treinamento e conhecimento técnico específico na matéria já que são oriundos de segmentos mais tradicionais como a pecuária, pesca, laticínios, etc. Portanto, ao se definir um departamento dedicado à apicultura, haverá um natural aperfeiçoamento das atividades de regulação e fiscalização do setor. É esperado também o aumento do efetivo disponível para realizar atividades de campo (fiscalização) o que ajudará também a melhorar o fluxo operacional dos entrepostos e cooperativas com a homologação de mais unidades de extração primária.


2) Estratégia Interna : vejo muita gente investindo tempo e dinheiro em projetos para exportação de mel fracionado (envasado em embalagens para o consumidor) e pouca gente tentando melhorar a produtividade das nossas colméias. O problema do Brasil hoje não é vender o mel já produzido mas sim produzir mais para aumentar a escala e a importância do Brasil no mercado mundial. Ao mesmo tempo, considero uma aventura "disneylândica" projetos de venda de mel fracionado no exterior. Exportar produtos para o consumidor implica em consideráveis verbas de marketing, estruturas de distribuição e promoção que dificilmente estarão ao alcance de cooperativas de apicultores ou pequenos entrepostos, mesmo que excelentemente assessorados por consultores extremamente preparados. O varejo é um jogo violento. A produtividade média de uma colméia no Brasil está abaixo de 20 kg/ano enquanto na Argentina e nos EUA chega a 50 kg/ano. Se dobrássemos nossa produtividade ainda estaríamos perdendo para muitos países. Então, não seria o caso de se investir nisso ? Há muita gente capacitada e respeitada até internacionalmente que poderia ser melhor aproveitada aqui no Brasil. Dou um exemplo : o Professor Afonso Odério de Limoeiro do Norte é o campeão de produtividade no País, chega a colher picos de 100 kg de mel por colméia em uma safra, com uma média duas vezes superior à nacional (app 40 kg/colméia). Com uma técnica inovadora de multiplicação de colônias e arranjos dos apiários o Professor Afonso Odério tem feito a diferença para muitas comunidades de apicultores no Ceará. Em 2010, em meio a uma das piores secas dos últimos 20 anos, nos apiários monitorados pelo Professor Afonso Odério não houve perda ou enfraquecimento de colônias mesmo SEM ALIMENTAÇÃO ARTIFICIAL através da utilização de técnicas de aproveitamento da própria vegetação do semi-árido. Isso é tecnologia de ponta de valor inestimável, porém pouco divulgada.  Ao mesmo tempo no Rio Grande do Sul muitos apicultores ainda utilizam colméias do tipo "Schenk" que tem um custo marginal de manuseio maior se comparado ao modelo americano (Langstroth) e menor produtividade. 


3) Mercado Interno : desenvolver o mercado interno é uma necessidade estratégica para o setor, assim ficamos menos dependentes dos compradores internacionais e menos vulneráveis a choques adversos de demanda ou de oferta. Nesse sentido, deve-se reforçar iniciativas já em curso para maior aproveitamento da produção apícola pelo mercado doméstico tais como os programas de inclusão de mel nas merendas de escolas públicas e a campanha "meu dia pede mel" liderada pelo Sebrae(http://www.meudiapedemel.com.br). Porém...... E se a campanha der certo, haverá produção para sustentar a eventual demanda ??? Mais uma vez, reforça-se a necessidade de empenho no aumento da produção. O brasileiro consome em média 160 gr de mel per capita enquanto nos EUA o valor é de 620 gr e na Austria 1 kg. O brasileiro ainda considera o mel muito mais um remédio natural do que um alimento. Mudar isso é importante no longo prazo, porém temos que investir também na produção.


4) Diferenciação : o Brasil é um país único em relação à produção melífera. Temos condição de oferecer ao mercado uma variedade enorme de produtos com sabores, cores e aromas diferenciados. No entanto, atualmente o mel brasileiro é, regra geral, vendido como uma commodity, sem qualquer agregação de valor especial em virtude de sua origem. Já alcançamos a condição de fornecedores de méis puríssimos, isentos de resíduos. Não seria a hora de avançarmos e começarmos a criar valor explorando as outras características do nosso produto ? Nosso mel está ligado à nossa gente, às nossas matas ao nosso sertão. Tenho certeza de que há como explorar isso no mercado. É uma questão de vontade e, óbvio,  de recursos. 


5) Certificação Orgânica : a diferença de preço de venda entre o mel orgânico e o convencional impulsionou os entrepostos e algumas cooperativas a iniciarem e/ou ampliarem seus projetos orgânicos nos últimos dois anos. Atualmente quase todos os entrepostos estão certificados como fornecedores de mel orgânico. Como, no campo, o preço de compra é quase o mesmo, independentemente do mel ser certificado ou não, há uma tendência óbvia de excesso de oferta de mel certificado. É o que ocorre hoje com a safra em curso no Piaui por exemplo. O mercado não conseguirá absorver o volume de mel orgânico que estará sendo oferecido pelos entrepostos brasileiros nas próximas semanas, pelo menos não no período de tempo que desejaríamos. Portanto, ou haverá um movimento de flexibilização dos preços de venda para motivar os importadores a comprarem produto para estoque/venda futura ou então teremos que estocar o produto por aqui mesmo até que haja demanda. Alternativamente, em último caso, poderemos ter que vender méis certificados ao preço de mel convencional. Como já escrevi no passado, o mercado de mel orgânico tem um comportamento errático, pouco previsível. Há semanas em que todos os compradores querem comprar ao mesmo tempo mas há semanas em que simplesmente não há procura. Por conta dessa característica, esse segmento de mercado é mais suscetível a variações bruscas no preço; às vezes variações descoladas do que ocorre no mercado de mel convencional (esse sim está "aberto" todo dia, a toda hora). Já passou da hora de adequarmos a equação de custos à realidade do mercado, ou seja, mel convencional não pode custar o mesmo do que mel orgânico, sob pena de criarmos uma armadilha para nós mesmos. Ao mesmo tempo, um entreposto não pode se fiar em vendas apenas de mel orgânico pois isso não será factível nem tampouco sustentável ao longo do tempo, salvo pouquíssimas exceções (operações de pequena escala, selo social, etc) .  A situação atípica que vivemos hoje, ou seja, a excessiva deficiência de oferta de mel no mundo, está contribuindo para mascarar a lógica dos custos e até hoje tivemos a condição real de vender o volume de méis certificados que ofertamos. No entanto estou certo em afirmar que vivemos um momento de inflexão, ou seja, os volumes de mel certificado a serem ofertados no futuro breve estarão em AMPLO descompasso com a demanda. Portanto, "heads up" ! Precisamos entender que, apesar de seu enorme potencial de crescimento, o segmento de mel certificado ainda é um nicho.


É isso.


**
John Laurino - johnlaurino@gmail.com
twitter @johnlaurino

2 Comments:

At 3:34 PM, Anonymous Thiago Gama de Oliveira said...

John, concordo com a primeira parte do texto, adiciono no Item #2 que o Brasil ainda sonha com um sonho impossível (exportação de envasados), coisa que não temos know-how para tal, uma vez que o mel brasileiro para ser equiparado com os americanos ou europeus ainda tem que crescer muito, pois linhas gigantescas de envase, sem contato manual tem aos montes nestes países, enquanto, nós temos que lutar para envasar meis nas nossa humildes plantas envasadoras. Conhecimento para colocar méis na pratileira com no minimo 2 anos de duração sem cristalização (nosso shelf-life é pessimo)
Quanto à produtividdade, meu Deus, quão longe estamos do potencial que o Brasil tem de capacidade real. Apicultores que se agrupam, um em cima do outro, nas pequenas cidades produtoras, sendo que o nosso País tem um vasto campo melífero que ninguem testou antes. Faltam desbravadores, como membros da familia Wenzel que fizeram muito pelo nordeste na decada de 70. Faltam apicultores que entendem o que estão fazendo, que entendam que a colméia não é maquina, que é uma caixa cheia de ser vivo dentro, que precisa de água, precisa de ar, precisa de descanso, que também precisa de material para produzir... faltam apicultores que extraiam o mel no seu periodo correto de maturidade, faltam apicultores que desejam ter melhoramento de rainhas para crescimento de produção Kg/colméia. Ah, quão longe estamos da realidade européia, que zelam pelas colméias, pois não tem enxameação, que dividam enxames, pois um enxame lá é algo caro... Quantos apicultores vejo que jogam colméias pequenas fora, julgando o tempo de produtividade... penso no futuro, que poderá ocorrer a falta de enxameação....
No item 3 também tenho uma coisa a acrescentar... deveriamos pedir com urgencia uma campanha de incentivo ao consumo de mel, pois vejo destas campanhas para café e para outros itens na cadeia brasileira e ja vi até para cachaça (desculpe John) mas nunca vi para o Mel. Como vi outro dia um especialista falando sobre o transito do Piauí, dizendo que não vai melhorar nunca, até se fazer campanhas de ensino nas escolas, pois a esperança é que a geração futura saia conscientizada das escolas para a direção consciente, eu acho que deveria ser o mesmo caminho para o MEL. Quem sabe se nossos filhos e netos sejam excelentes consumidores de mel.... Os meus ja estao neste caminho...
Item 4... Meu Deus John, estamos atrasadíssimos neste item... O nosso poder de barganha para com os nossos produtos Free-residues são de grande valor. Já vi muitos importadores e envasadores falando que o mel brasileiro é visto como um produto para melhorar méis ruins comprados a niveis mais baratos de outros países. Se serve como "remédio" podemos ser considerados "linha ética" e não "B.O".
Item 5: muito boa a sua visão e concordo... porém empresas malucas que pagam precos irreais, preços astronomicos e que ninguem sabe da onde aparece, nos leva a trabalhar com produto que possam ser vendidos mais caros para que possamos salvar um pouco as empresas do grande buraco que está aberto à nossa frente. Hoje comprar um Kg de mel no PI é uma tarefa árdua, aonde chegamos a incrível situação de que se oferta 5 reais a mais pelo mel que está em cima do caminhão da sua propria empresa... Ou seja, ética... palavra desconhecida em meios nordestinos de compra.
Triste é ver que uma empresa chega na sua cidade e coloca 10 reais a mais por balde, sendo que poderiamos ter uma concorrencia saudável a niveis de 3 a 5 reais, a administração desta concorrencia seria muito boa e todos comprariam sem problema nenhum e com isso poderiamos ter uma lucratividade um pouco melhor e conseguir recuperar o perdido de 2 a 3 anos de crise na produção e na comercialização.
Devemos nao somente pensar no AGORA e sim pensar GLOBALMENTE, em que o "hoje" é o resultado de ontem e o amanha é o resultado de hoje+ontem.... se ontem deu prejuízo, certamente o rombo continua....

John, show sua visão e exposição... vlw... espero ter contribuido!

 
At 9:23 AM, Blogger John said...

Thiago, obrigado pelos comentários. Em relação ao item 5 lamento dizer que a concorrência, por definição, nunca é "saudável"... Sorry ! Cada entreposto paga aquilo que julga viável num dado momento, cada um defende o seu interesse. No entanto, se há entrepostos que podem praticar preços "irreais" em virtude de esquemas ilegais de compra (sonegação ou coisa pior) cabe ao setor investigar e denunciar os maus empresários. É isso.

 

Post a Comment

Note: Only a member of this blog may post a comment.

<< Home