11/28/2005

Artigo sobre Cachaça - NY Times


ECONOMIA O ESTADO DE S.PAULO

Domingo, 26 de Dezembro de 2004
Cachaça não é rum, como salsa não é samba
Decreto presidencial quer garantir ao Brasil direitos de marca exclusivos sobre o nome do destilado

Todd Benson
The New York Times


Há poucas coisas que realmente irritam os brasileiros comuns. Uma é argumentar que o argentino Diego Maradona foi melhor do que Pelé. Outra é confundir samba com salsa, gênero popular de música caribenha. Hoje, os brasileiros têm algo novo a acrescentar a essa lista: equiparar a cachaça, poderoso destilado de cana-de-açúcar, ao rum.
Para lucrar com a crescente popularidade da cultura brasileira no exterior, o governo está dando os toques finais em um decreto presidencial que espera dar ao País os direitos de marca exclusivos sobre o nome "cachaça". O Brasil quer sofisticar sua aguardente nacional, para conquistar o mesmo privilégio da França em relação ao champagne e do México com a tequila. Segundo as autoridades do governo e os executivos da indústria, é uma forma de distinguir a cachaça do rum nos mercados de exportação, como a Europa e os Estados Unidos.

"Durante anos, toda a cachaça que exportávamos para os Estados Unidos, por exemplo, tinha que ser rotulada como rum brasileiro, algo que não é de nosso interesse", afirmou Ricardo Cavalcanti, uma autoridade do Ministério da Agricultura do Brasil, que está ajudando a esboçar a legislação que classifica a cachaça. "Rum é uma coisa e cachaça é outra".

Também chamada de pinga, aguardente ou estoura peito, a cachaça é destilada da garapa. A maioria dos runs é produzida do melaço, subproduto do refinamento do açúcar. A cachaça era originalmente um prazer do homem pobre, consumida pelos escravos nas plantações de cana-de-açúcar do Nordeste do País na metade do século 16.

Hoje, a maioria dos brasileiros bebe cachaça em drinks chamados caipirinhas, misturada a limão amassado, gelo e uma quantia generosa de açúcar. Como a cachaça, a caipirinha começou como uma bebida de camponês; o nome é derivado da palavra "caipira".

"Quando eu entrei para o negócio, era bem lento, mas nos últimos anos a coisa realmente decolou e a minha clientela cresceu muito", afirmou Paulo Roberto Baptista Mendes, ex-destilador de cachaça que hoje comanda a distribuidora Cachaça & Cia., criada em 1995. "As pessoas estão aprendendo a apreciar a cachaça", acrescentou Mendes, que também distribui para clientes na Austrália, Europa e Estados Unidos.

Com a popularidade da caipirinha em ascensão, o governo brasileiro agiu nos últimos anos para proteger os mais de 30 mil produtores de cachaça do país das imitações de outros países onde a cana é cultivada, especialmente no Caribe. O governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi o primeiro a tentar registrar o nome "cachaça", em 2001. Mas a definição foi criticada como vaga demais pelos produtores locais e por alguns fabricantes caribenhos de rum, incluindo Barbados, República Dominicana e Trinidad e Tobago.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, revogou o decreto e deve assinar uma versão modificada nos próximos meses. A nova classificação procura reservar o nome "cachaça" exclusivamente para os destilados alcoólicos do suco de cana-de-açúcar produzidos no Brasil, um primeiro passo importante para a iniciativa do governo em sofisticar a bebida nos mercados mundiais.

O Brasil também apresentou a questão para a Organização Mundial do Comércio (OMC), na esperança de que a cachaça ganhe proteção sob um acordo que reconhece os direitos de propriedade intelectual. O País também está em negociação com a União Européia para proteger o nome "cachaça".

Mas não há garantia de que os esforços do Brasil em patentear o nome "cachaça" terão sucesso. Esta semana, a OMC sentenciou que o sistema da União Européia de proteger os nomes dos alimentos regionais era excludente e violava as regras do comércio global, apoiando as queixas feitas pelos Estados Unidos e Austrália. Apesar da OMC permitir que a União Européia mantenha sua proteção sobre nomes de produtos regionais existentes, como o queijo feta, champagne e presunto de Parma, disse que as empresas não-européias podem vender alimentos patenteados que tenham nomes idênticos às designações geográficas da Europa.

Com ou sem o selo de aprovação da OMC, os produtores de cachaça no Brasil estão determinados a aumentar as exportações. Nos últimos dois anos, a agência de promoção da exportação do governo e a indústria da cachaça gastaram juntas cerca de US$ 3,3 milhões em programas para colocar a cachaça nos menus de bares em todo o mundo.

Em 2003, o Brasil exportou US$ 10 milhões em cachaça, acima dos US$ 7,3 milhões de 1999, quando o governo começou a promover a bebida nos mercados externos. Este ano, as exportações devem atingir US$ 14 milhões, principalmente para a Alemanha e Portugal, de acordo com as estimativas oficiais. Até 2010, a indústria no Brasil - que emprega 400 mil pessoas e produz mais de 5 mil marcas - espera que suas exportações atinjam a marca dos US$ 30 milhões.

Apesar de as exportações ainda serem pequenas, com apenas 1% de toda a produção local de cachaça, os produtores dizem se tratar de um começo promissor para uma indústria que até recentemente centrava foco exclusivamente mercado interno brasileiro. "Para os pequenos produtores em especial, exportar apenas uma fração de sua produção pode significar um salto importante na renda", afirmou Walter Caetano Pinto, o presidente de uma associação de fabricantes caseiros de cachaça e cuja família produz uma cachaça antiga, a Germana.

Algumas pessoas do setor, no entanto, mostram menos entusiasmo a respeito do futuro da aguardente fora do Brasil. Elas argumentam que seria preciso gastar muito mais dinheiro na promoção da cachaça, se o objetivo é seguir os passos da tequila, presente em bares por todos os Estados Unidos e toda a Europa.

"Acho ótimo o governo acordar para o fato de que a cachaça pode ser um grande negócio", afirmou John Laurino, dono da Unit Brazil, empresa de São Paulo que exporta cachaça para diversos países europeus. Mas ele fez ressalvas. "Somente para três ou quatro países na Europa, são necessários pelo menos US$ 25 milhões para vender a cachaça de forma apropriada, e não poucos milhões de reais".

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