4/15/2004

APICULTURA


Maior Desafio da Apicultura : Qualidade

Desde 2001 o Brasil tem exportado volumes crescentes de mel, mormente à granel (embalagens institucionais, em geral tambores de aço de 200 litros) para atender às necessidade de importadores na Europa e América do Norte. Em 2001, com os primeiros projetos ainda incipientes logrou-se exportar cerca de USD 500 mil (FOB). À época poucas empresas dedicavam-se ao mercado externo. A propósito, cabe descrever, mesmo que sumariamente, como está estruturado o setor apícola no Brasil : milhares de pequenos apicultores espalhados por todo Brasil (principalmente no sul, nordeste e sudeste) vendem suas produções aos entrepostos que então beneficiam o mel para o posterior uso no mercado doméstico ou para exportação. Atualmente cerca de sessenta empresas desempenham este papel, das quais dois terços mantém operações regulares de venda ao exterior. Com o advento da proibição do mel da China na Europa no começo de 2002 e o subseqüente recrudescimento das normas de internação do mesmo na América do Norte, iniciou-se um processo virtuoso na cadeia apícola não só no Brasil mas em todo o mundo. Ocorre que a China, até então maior produtor e exportador mundial de mel, viu-se praticamente banida dos principais mercados, nomeadamente Alemanha e Estados Unidos o que, por sua vez, desencadeou uma onda de elevação de preços em mercados não tradicionais (como o Brasil, Bulgária, Ucrânia e Turquia por exemplo) e o conseqüente aumento da rentabilidade da cadeia apícola. Em 2001 exportava-se mel a USD 1 mil a tonelada métrica (FOB) e no auge da “crise chinesa” o preço chegou a USD 3 mil. Adicionalmente, note-se que, concomitantemente ao problema da China, o segundo maior fornecedor mundial de mel, a Argentina, teve seus produtos gravados com um imposto de importação compensatório de cerca de 40%, favorecendo ainda mais os exportadores brasileiros. Apicultores antes esquecidos e desprezados passaram a ser disputados ferozmente pelos vários entrepostos, sendo que os maiores chegaram a montar bases de compra de mel nas principais regiões produtoras. No início desse processo, os apicultores não tinham acesso às informações sobre o mercado externo o que propiciou uma explosão das margens dos entrepostos. À medida que o tempo passou, as informações começaram a circular mais facilmente através das associações e cooperativas o que aliado ao assédio direto de alguns importadores alemães e norte-americanos fez com que o crescimento das margens se equalizasse entre entrepostos e apicultores via aumento do custo do produto no mercado doméstico. O “boom” no faturamento da indústria (exportou-se mais de USD 16 milhões em 2002 e USD 45 milhões em 2003) propiciou aos entrepostos investirem na ampliação e modernização de suas fábricas levando o Brasil a ser considerado o melhor em termos de condições sanitárias e qualidade no beneficiamento do mel. De norte a sul do país, realizou-se um incremento na capacidade de processamento de mel da ordem de oito vezes. Em outras palavras, o Brasil tem hoje condições de beneficiar cerca de 100 mil toneladas de mel/ano, vis à vis uma produção estimada de apenas 35 mil toneladas para 2004. Ao mesmo tempo, o mel chinês já está de volta ao mercado norte-americano e o retorno à Europa pode ocorrer ainda este ano, o que já trouxe as cotações do produto para cerca de USD 2 mil a tonelada. Adicionalmente, as tarifas de importação adicionais sobre o produto argentino (e também chinês) nos EUA estão sendo eliminadas. Ou seja, a indústria apícola brasileira enfrenta uma conjuntura adversa traduzida pela queda dos preços internacionais e acumulação involuntária de estoques ao mesmo tempo em que o custo do mel na ponta dos apicultores não caiu na mesma proporção haja vista a concorrência residual pelo produto, refletindo a necessidade dos entrepostos de o processarem nem que seja para pagar o custo fixo - hoje muito maior do que antes devido aos maciços investimentos efetuados. O principal problema no entanto está na base da indústria : infelizmente, a despeito de um certo avanço nos últimos dois anos, o segmento produtor (apicultores) padece de uma crônica deficiência no que tange à segurança alimentar do mel devido à precariedade sanitária do processo desde a coleta até o armazenamento, passando pelos processos de centrifugação e decantação. A cultura apícola no Brasil ainda menospreza (em alguns casos até ignora) os preceitos sanitários requeridos para a obtenção de um produto com índices toleráveis de contaminação por microrganismos. À medida em que os compradores tornam-se mais exigentes a cada dia (em virtude da normalização da oferta do mel chinês) será fundamental que o Brasil acautele-se no sentido de capacitar tecnicamente os produtores através da conscientização (treinamento e educação) e do investimento para modernizar as “casas de mel” nas principais áreas produtoras. Se isso não for feito é possível que ocorra uma “argentinização” da indústria apícola brasileira na qual os apicultores poderão voltar a viver sérias dificuldades e os entrepostos a beneficiar mel para os estrangeiros a “troco de banana”, pois a qualidade, entendida não só pela não ocorrência de adulteração e ausência de resíduos tóxicos, mas também pelo padrão microbiológico, representa a única possibilidade de mantermos o produto brasileiro com um diferencial de preço em relação aos nossos principais concorrentes. A recente iniciativa de unir os interesses dos exportadores através da criação de uma associação setorial foi com certeza um primeiro passo, importante no processo de definição e implantação de uma estratégia de longo prazo. Resta pois, o estabelecimento de um planejamento que contemple ao mesmo tempo a capacitação dos produtores e o fortalecimento e consolidação da imagem do mel brasileiro no exterior. Em outras palavras, cabe aos exportadores reinvestirem parte dos ganhos obtidos nos últimos dois anos nas duas extremidades do negócio : fornecedores e clientes.