3/19/2010

carpe diem



Bem normal topar com pessoas que ainda não perceberam a insignificância individual de cada um de nós. Desde que descobri, ainda criança, que o universo tem bilhões de anos e que o homo sapiens apareceu há pouco mais de 10 mil anos, eu já desconfiava disso, da nossa irrelevância. Depois, já adolescente me meti a ler Schopenhauer aproveitando a estante de livros de um tio pustiço que morava na casa de meus pais. Daí ferrou de vez. Além de ter aumentado minha convicção anterior, comecei a nutrir um certo desprezo intelectual pela maioria das pessoas, principalmente as "sabidas". Já mais maduro, até tentei acreditar em Deus e, por consequência, na viabilidade do plano humano na Terra via redenção dos pecados. Não deu certo. O legal de tudo isso é que percebi que é plenamente viável ser cético e feliz ao mesmo tempo. Na verdade, o ceticismo empurra-nos para a felicidade pois se vc não acredita no amanhã, vc tende a viver o HOJE de modo intenso e melhor. Anos passam rápido para nós. Para o Universo os séculos são segundos. Vivendo meus dias de carpe diem aprendi que o grande barato da vida está em pequenos gestos de solidariedade e gentileza. Um bom dia desejado a quem não espera e precisa, um sorriso gratuito, o estender de uma mão despretenciosa, um ato impulsivo de heroísmo. Isso é o que vale os poucos segundos da nossa existência diante do Universo. Eu passei os últimos 6 meses frequentando o Hospital do Câncer em SP. Quando eu comecei a frequentar as salas de espera (quimio e radioterapia), acompanhando minha esposa, ninguém se falava e todos viviam seus momentos de dor e doença. Com o passar do tempo comecei a puxar papo com todo mundo, falar de futebol, receita de bife à milanesa, política, etc. O ambiente foi mudando muito. Os pacientes começaram a sorrir, às vezes gargalhar. As enfermeiras me escreveram uma carta, me agradecendo. Mas o que mais me deixou feliz foi saber que sem ter que gastar um centavo, sem ter que fazer qualquer sacrifício, eu consegui melhorar a vida de várias pessoas, mesmo que por poucas horas. A vida é isso. Poucos segundos que temos. Nunca sabemos qual será o último ! Carpe Diem. É melhor ser gentil do que estar certo.

3/18/2010

produto bom ?


Afinal o que é um produto "bom" ?
Muitas vezes me deparo com situações curiosas envolvendo essa pergunta e cada vez mais acredito que as pessoas respondem à ela sob o prisma de suas culturas de negócio específicas. Aqui no Brasil os empresários em geral são passionais e românticos, eles tem afeto pelos negócios e muitas decisões transitam pela esfera dos sentimentos e instintos. Isso é extremamente positivo para criar ambientes criativos e dinâmicos nas empresas, o fluxo das emoções enriquece as estratégias e flexibiliza os negócios. Ao mesmo tempo, essa real paixão pelas empresas (e produtos) conturba o discernimento na hora de julgar a qualidade de produtos e serviços. Quantas e quantas vezes já visitei empresas cujos websites eram totalmente inadequados para seus negócios, por exemplo empresas de logística com animações toscas e musiquinhas ou fabricantes de alimentos com páginas de especificações detalhadas para cada produto mas sem informação alguma sobre as certificações da empresa. Mesmo após meu "alerta" , os websites continuaram da mesma forma. Como dizem, a paixão é cega.
O traço romântico das empresas pode ser observado por exemplo nas feiras de negócios. Em geral o foco de nossas empresas está muito mais no aspecto social do evento do que na estratégia de mercado. Desse modo, muitas vezes vultosos recursos são investidos na produção do estande mas pouco ou quase nenhum tempo é investido numa comunicação de qualidade, desde a elaboração de um simples folder até o "script" do pessoal de vendas. Quem trabalha com marketing de grandes feiras sabe que o que fica gravado na mente dos visitantes é muito mais o que foi dito do que o que foi visto.
O que dizer então de logotipos, marcas e embalagens... Essas são áreas nas quais a paixão e o sentimentalismo são forças predominantes na maioria das pequenas e médias empresas.
Voltando ao tema original, o que é um produto bom ? O produto tem que ser bom do ponto de vista do cliente. Em 1999 eu iniciei um projeto para exportar cachaça brasileira e por isso visitei vários produtores, desde as grandes destilarias até os pequenos alambiques artesanais. Para as grandes destilarias (algumas delas ligadas a grupos estrangeiros) o produto bom era a cachaça que vendia. Ou seja, produto bom é produto que vende. Porque se o produto vende significa que os clientes ou estão satisfeitos, ou não tem uma melhor alternativa no mercado. Já para os produtores artesanais... Um deles estava com problema de vendas, carregando um estoque elevadíssimo por vários anos. Sabe por que ? Porque ele como consumidor apaixonado pela cachaça brasileira resolveu investir no negócio. Em pouco tempo, ele conseguiu chegar num produto que na opiniçao dele, era "melhor que uísque escocês doze anos". O rótulo da cachaça era a foto da fachada da fazenda dele e obviamente a marca era o próprio nome da fazenda num total de 22 dígitos. A embalagem que ele escolheu foi a mesma que outras centenas de empresas também usavam. Porém, como era um produto especial, o produtor desenvolveu uma caixinha de madeira que era acondicionada dentro de um saquinho de veludo vermelho. Em suma, ele desenvolveu um produto para ELE e não para o cliente. Por isso o produto não vendia. Quando eu falei isso, ele ficou ofendido.
Outro dia mesmo, um cliente meu me ligou reclamando de que um lote de mel exportado havia chegado no destino um pouco fora da especificação combinada. De pronto, liguei para o exportador para investigar o problema e escutei isso : "esse mel é o melhor mel do Brasil, um mel espetacular, esse cliente vai reclamar só porque está alguns milímetros fora do esperado ?" . Esse exportador, além de muito meu amigo é extremamente profissional e dinâmico. Mas mesmo assim não conseguiu escapar dessa herança atávica que carregamos : essa passionalidade maravilhosa que nos faz diferentes de todo mundo. Eu não sou exceção à regra, ao contrário. Mas procuro aproveitar também o contato com outras culturas para melhorar e tornar as diferenças ainda mais eficientes para os negócios. Sim, na minha opinião, produto bom é produto que vende e que é entregue de acordo com o combinado. Mas que a dita cuja da cachaça era boa, ahh, isso era !

3/17/2010

Burocracia x Brasil, quem ganha ?

Uma criatura complexa está prestes a nascer. O nome do bicho é RIISPOA e significa "Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal". Idealizado pela burocracia do Ministério da Agricultura como instrumento para a garantia da qualidade e seguranca alimentar dos produtos de origem animal (mel, laticínios, carnes, peixes, etc) produzidos no Brasil, o dito cujo do RIISPOA, em sua revisão ora em trânsito pela Casa Civil, inclui uma ameaça grave a um setor que emprega milhares de pessoas no País todo e que exportou em 2009 um montante equivalente a 66 milhões de dólares. Trata-se do setor apícola que engloba desde os apicultores (em geral pequenos produtores espalhados por todos os Estados), cooperativas, entrepostos, exportadores, atacadistas e agentes de comércio (entre os quais me incluo).

Para entender melhor o problema, precisamos voltar ao ano de 2003. Nesse ano a FVO - Food and Veterinary Office (órgão equivalente ao MAPA na União Européia) enviou uma delegação de inspetores ao Brasil, a fim de averiguar de que tipos de controles o Governo Brasileiro dispunha para garantir que os produtos de origem animal produzidos no País (e eventualmente exportados) estavam isentos de contaminantes (resíduos indesejáveis tais como antibióticos e agrotóxicos por exemplo). Dessa inspeção resultou um ofício que alertava as autoridades brasileiras sobre a desconformidade do sistema brasileiro em relação às exigências sanitárias européias, mormente no que se referia ao controle de resíduos. Nesse mesmo ofício havia uma lista de medidas e práticas que o Governo deveria observar para garantir a continuidade do acesso dos produtos de origem animal (entre eles o mel de abelhas) ao mercado europeu. Por razões que até hoje desconheço, nossos burocratas e autoridades pouca atenção deram ao tal ofício e, no setor apícola, esse problema jamais foi discutido ou considerado. Os europeus são metódicos e como não confiam em boas intenções, enviaram uma nova comitiva de inspetores em 2005 que obviamente encontrou o setor apícola na mesma condição de 2003, ou seja, sem qualquer monitoramento estruturado para presença dos resíduos indesejados nos produtos da cadeia. Pouco tempo depois, em Março de 2006, a União Européia baniu todos os produtos apícolas brasileiros de seu mercado. Ou seja, estávamos, a partir daquele momento, impedidos de vender mel ou qualquer produto apícola na União Européia.
O mais interessante dessa história é que o Brasil é, por motivos biológicos e geográficos, um dos poucos países do mundo quase que totalmente livres de riscos de contaminação por resíduos. As abelhas brazucas são, por um acidente, híbridas, africanizadas. Essa mistura resultou numa maior resistência das colméias à doenças e por isso os apicultores brasileiros não fazem uso de antibióticos e fungicidas. Alguns apricultores nem sabem que existe remédio para abelhas. Ao mesmo tempo, se qualquer um de nós visitasse um apicultor argentino, uruguaio, americano, turco ou ucraniano, um dos orgulhos deles seria mostrar uma geladeira cheia de medicamentos, sinal de que eles prezam a saúde de suas colônias de abelhas. E se um acidente histórico ajudou o Brasil a ficar livre desses remédios, Deus também deu uma mãozinha e nos agraciou com um imenso território com plantas de enorme potencial apícola. E mais : muitas das regiões apícolas são bem afastadas de qualquer centro urbano ou de zonas de agricultura intensiva. Assim, prova de que Deus é mesmo brasileiro, boa parte do mel brasileiro é NATURALMENTE ORGÂNICO !!
Mesmo assim, fomos banidos do mercado europeu como contei acima. O embargo ao mel brasileiro funcionou como um despertador para os burocratas. Imediatamente grupos de trabalho foram formados e ações foram lançadas para a implementação do hoje famoso "Plano Nacional de Controle de Resíduos". Tudo foi feito com enorme esforço e colaboração do setor privado, que durante os dois anos de embargo acumulou prejuízos comerciais significativos.
Como sempre depois da tempestade vem a bonança, em Março de 2008 o embargo caiu. Estávamos de volta de onde nunca devíamos ter saído. Não fiquei surpreso ao saber que alguns burocratas até ficaram orgulhosos por isso. Afinal, quanta competência !
Uma das condições que tivemos que observar para ter nosso produto aprovado para o mercado europeu foi a seguinte : todo entreposto ou unidade processadora de mel que consolida vários lotes para a formação de um lote a ser exportado para a União Européia tem que operar em consonância com alguns princípios sanitários determinados que incluem os conceitos de rastreabilidade, higiene e segurança alimentar. Assim, as empresas exportadoras de mel (que na maioria são entrepostos) compram a matéria prima de centenas de apicultores e cooperativas e a beneficiam utilizando sistemas de qualidade que respeitam esses princípios.
O embargo de 2006 deitou raízes na burocracia do Mapa. A preocupação com a qualidade do mel que produzimos alcançou, nesse âmbito, proporções que nem o mais meticuloso dos alemães conseguiria imaginar. Desde de 2008, além dos entrepostos terem que estar em conformidade com as regras sanitárias acima descritas, o MAPA resolveu que para todos os embarques destinados à União Européia, o mel deveria provir de casas de mel inspecionadas e aprovadas pelo SIF - Serviço de Inspeção Federal. Casas de mel são pequenos estabelecimentos (muitas vezes apenas um galpão coberto) aonde os apicultores fazem a extração primária do mel, retirando o mesmo dos favos através de centrífugas e envasando-o em tambores que depois serão vendidos aos entrepostos. O problema é que o número de casas de mel existentes no Brasil, que atendem a milhares e milhares de pequenos produtores, é inversamente proporcional ao número de fiscais do SIF disponíveis para visitá-las, inspecioná-las e aprová-las (ou não). Eu fiz uma conta que a grosso modo resultou que o Governo levaria mais de cem anos para inspecionar somente as principais casas de mel existentes no Brasil haja vista o número de fiscais disponíveis para esse segmento. Disso resultou o que chamamos no mercado de "auto-embargo". Ou seja, indo muito além do que nossos clientes pediram (os europeus), decidimos exigir coisas que eles nem sonham pois sabem que é inviável. Para deixar uma casa de mel de acordo com o padrão SIF é necessário um investimento que na maioria das vezes não é factível para o pequeno produtor, mesmo que em regime associativo. Por causa desse auto-embargo, mais uma vez o setor privado está amargando prejuízos pois deixamos de vender para a Europa (que paga preços maiores) para ter que vender para os EUA, o que tem representado perdas de até 20% na rentabilidade das operações. Deixamos de vender para a Europa porque há pouquíssimas casas de mel que já tiveram a sorte de receber a visita dos fiscais do SIF e serem aprovadas.
Como se isso não bastasse, o MAPA em seu trabalho de revisão do RIISPOA, recusou os argumentos do setor privado quanto à desnecessidade da exigência de enquadramento das casas de méis no padrão SIF e foi além : segundo a nova versão deste regulamento, esta exigência passará a valer para todos os países para os quais o Brasil exporta. A criatividade governamental é realmente estupenda. Estamos prestes a ampliar o auto-embargo para todos os países. Eu gostaria de saber o que o MAPA sugere que façamos com a nossa produção de mel... Quem sabe o Governo poderia comprar toda a produção e criar uma Bolsa Colméia ou um programa novo chamado Vida Doce ou coisa parecida.

Se o novo RIISPOA for ratificado pelo Presidente Lula, estaremos perto do fim do mercado formal de mel no Brasil. Ou será que o Governo vai disponibilizar 10 mil fiscais para trabalhar em todo o Brasil na qualificação das casas de mel ? ISSO É UM ABSURDO.

O MAPA está sendo mais realista que o rei. O problema é que o rei ainda não sabe.