9/15/2004

Estratégia Vencedora para a CACHAÇA


Muito se tem debatido acerca do potencial de crescimento das exportações de cachaça, que, graças aos decretos 3062/01 e 3072/02, assinados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, é agora reconhecida juridicamente como o produto exclusivo do destilado feito a partir do suco da cana de açúcar dentro do território brasileiro. Em verdade, tal medida pouco impacto tem no que concerne à proteção imediata da denominação "cachaça" em nível internacional haja vista que para tanto é necessário que a Organização Mundial do Comércio reconheça e corrobore o que consta na lei brasileira, o que não ocorrerá de modo fácil nem rápido. Sem a intenção de diminuir a importância dessa medida como um primeiro passo de um longo e árido caminho, permito-me elaborar alguns comentários que, espero, contribuam para o amadurecimento de uma estratégia vencedora para a indústria da cachaça.Em primeiro lugar deve-se ter em conta que o segmento de distribuição de bebidas alcoólicas, tanto no Brasil como na Europa e nos Estados Unidos é sabidamente intensivo em marketing, contemplando-se aí desde o design e escolha da marca até o planejamento de promoções e propaganda. Em outras palavras, a demanda dos distribuidores de destilados ("spirits") por verbas de propaganda e promoção é bem maior do que aquelas geralmente notadas na indústria em geral. Esse fato se agrava à medida em que o produto é quase que desconhecido nos mercados-alvo, como é o caso da cachaça - quase que exclusivamente associada ao consumo da caipirinha e outros drinques tropicais. Mesmo em países onde a caipirinha é relativamente popular como na Alemanha, o consumidor médio desconhece com que bebida ele é preparada, muitas vezes imaginando ser a vódca seu principal ingrediente. Assim, comunicar-se com o mercado e educá-lo para o consumo da cachaça é pois muito custoso. Par se ter uma noção da magnitude das verbas requeridas, há na Europa alguns bares e clubs ("trendy places") que chegam a cobrar até USD 200 mil de fornecedores independentes interessados em lançar novos produtos e comercializá-los em suas dependências. Ao mesmo tempo, um simples evento de lançamento de um produto na Alemanha ou nos EUA pode custar até USD 180 mil. Contratar uma simples assessoria de imprensa na Inglaterra custa não menos do que USD 4 mil por mês. Ultimamente temos visto um importante avanço na presença da cachaça em Portugal, resultado direto de um investimento significativo da "51" (estimado em E$ 2 milhões). Hoje, é comum vermos em Lisboa ou no Porto outdoors e cartazes divulgando a "51" nas ruas e estações de metrô. Em suma, os orçamentos desejáveis para promoção da cachaça (ou de qualquer outra bebida pouco conhecida) são muito superiores às verbas que o setor privado está disposto a alocar na promoção do produto no exterior.Em segundo lugar há de se considerar que o perfil do consumidor europeu ou norte-americano difere em muito do brasileiro, bem como são distintos o sistema e logística de vendas. Assim, um produto "ótimo" para o mercado interno pode revelar-se um fracasso na Itália ou na Flórida por exemplo. Em geral, os produtores de cachaça tentam impor suas marcas e lay out aos consumidores estrangeiros ao invés de, a partir de uma pesquisa de tendências do mercado, comportamento e expectativas dos consumidores, estabelecerem uma roupagem customizada para o produto, contemplando inclusive os diferentes paladares. Isso decorre da errônea hipótese de que aquilo que nos agrada automaticamente agradará a qualquer um em qualquer lugar. Mesmo sendo um preceito básico em marketing, a maioria das empresas que se aventuram no mercado externo não dispõem do orçamento ou mesmo motivação necessária para "construir" adequadamente o perfil e imagem de seus produtos.A realidade do mercado da cachaça na Europa e nos Estados Unidos é pois incipiente e como tal deve ser encarada quando do planejamento de projetos de exportação. A título ilustrativo, saiba-se que o Chile exporta cerca de USD 600 milhões/ano de vinhos, o México vende USD 250 milhões de tequila enquanto a cachaça responde por aproximadamente USD 9 milhões em valores FOB. Portanto, deve-se ter em vista que sem um esforço significativo para a promoção da categoria "cachaça" no mercado externo (como o fizeram os chilenos e mexicanos com os vinhos e com a tequila respectivamente), a velocidade de crescimento das vendas tende a ser muito lenta. Cabe ressaltar o trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito do PBDAC - Programa Brasileiro para Desenvolvimento da Aguardente de Cana , Cachaça ou Caninha , coordenado pela ABRABE, Associação Brasileira da Indústria de Bebidas, que não tem poupado esforços para aumentar as exportações da cachaça bem como enquadrar os produtores em padrões de qualidade que garantam a boa aceitação do produto no exterior. No entanto, pensamos haver espaço para um rearranjo nas ações promocionais que até o momento privilegiam ações isoladas como a participação em feiras no exterior. Seria mais importante, num primeiro momento, dar maior visibilidade à cachaça, inserindo matérias pagas nos principais jornais europeus e norte-americanos e principalmente nas revistas especializadas do setor. Isso gerarira um efeito "cascata", com o aparecimento de matérias espontâneas nos jornais e revistas menos importantes que pautam suas edições com base nos veículos líderes. Convidar formadores de opinião da indústria e críticos de renome internacional a conhecer o Brasil , mostrando como a cachaça é produzida, os diferentes tipos da bebida e as diversas aplicações também geraria um efeito muito positivo. Esse esforço de marketing institucional poderia ser acompanhado pelo setor privado que teria a oportunidade de planejar suas ações promocionais (inclusive em conjunto com os importadores) seguindo a estratégia geral do setor. Em outras palavras, a estratégia que advogamos tem como primeira missão despertar o interesse pelo assunto "cachaça" por parte dos potenciais compradores e distribuidores para num segundo momento costurar parcerias comerciais com os mesmos. O raciocínio é simples : venderemos cachaça de modo quantitativamente relevante somente quando nossos potenciais clientes estiverem receptivos ao produto. Um programa com tal amplitude não custaria nem um, nem dois , tampouco três milhões de dólares : certamente o investimento alcançaria sete dígitos, algo em torno de vinte milhões de dólares divididos em dois ou três anos. Ou seja , o valor que seria necessário para implantar um programa que realmente tenha possibilidade de mudar significativamente os volumes exportados equivale ao dobro do que a indústria tem embarcado ao exterior nos últimos anos. Nos parece improvável que o setor privado isoladamente venha a arcar com tal investimento. Tampouco nos soa justo que o Governo financie integralmente o programa a fundo perdido. Ao mesmo tempo, o modelo atual de investimento compartilhado (sendo a parte do governo a fundo perdido) tem-se mostrado incapaz de dinamizar as vendas ao exterior. Poderia-se pensar num aporte oficial com contrapartida tributária incidente sobre as exportações do produto (imposto de exportação). Seria uma aposta do governo no produto : quanto mais as exportações crescessem, mais rápido o valor investido retornaria aos cofres públicos. O imposto de exportação já existe na legislação e atualmente incide sobre poucos produtos como o "wet blue" (couro semi-processado utilizado para fabricar bolsas e sapatos). O governo poderia escalonar a incidência do imposto a fim de incentivar a exportação da cachaça já engarrafada, constrangendo a exportação do produto à granel. O imposto seria extinto quando o governo obtivesse o reembolso desejado vis à vis o investimento efetuado ao longo do período estabelecido pelo programa. Se o México exporta USD 260 milhões de tequila nada impede que o Brasil venha a exportar USD 100 milhões de cachaça em quatro ou cinco anos. Isto equivaleria a um salto de mais de mil porcento em relação à situação atual.O marketing institucional é necessário porém insuficiente para o pleno sucesso da estratégia proposta. Deve-se assegurar ao setor privado (via Sebrae ou BNDES por exemplo) linhas convencionais de financiamento para o desenvolvimento de um "design" adequado à cachaça.Na situação atual, o setor privado teme (com razão) consignar verbas maiores à promoção da cachaça no exterior porque o mercado é muito pequeno, a concorrência elevada e portanto o risco é alto. Além disso, todo recurso tem um custo de oportunidade e no momento R$ 1 aplicado em marketing no Brasil gera um resultado várias vezes superior a um investimento equivalente na Europa ou nos EUA. Cabe ao governo (grande interessado na conquista de divisas) promover o arranque para uma nova situação, reduzindo esse "gap" ao longo do tempo e garantindo um crescimento na disposição da indústria em investir na abertura de novos mercados. Cabe ao setor privado, capacitar-se e adequar a cachaça ao perfil do consumidor estrangeiro, assumindo a responsabilidade pela promoção do produto após esse impulso inicial.